Os arames e os ferros enferrujaram-se e os panos da passarola cobrem-se de mofo; o vime, ressequido, destrança-se: "obra que em meio ficou não precisa envelhecer para ser ruína." Baltazar experimenta os ferros, tudo perdido, melhor começar outra vez.Enquanto o padre não chega, constrói-se a forja, vai-se a um ferreiro e vê como se faz o fole.Quando Bartolomeu de Gusmão chegou e viu o fole pronto, peça por peça desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou contente e disse: "Um dia voarão os filhos do homem."Encomendou a Blimunda duas mil vontades dos homens e mulheres que morreriam a fim de que, junto com âmbar e ímãs, pudessem fazer subir a nau que agora construíam.O padre distribui tarefas, indica a Sete-Sóis onde comprar ferro, vime e peles para os foles, pede segredo absoluto de tudo o que estão a fazer. Trabalham na passarola quase um ano inteiro, procissões passam em delírio pelas ruas, povo misturado ao clero, clero misturado aos nobres.
O padre Bartolomeu Lourenço voltou a Coimbra já doutor em cânones, e agora pode ser visto na casa de uma viúva. D. João manda vir da itália o maestro barroco Domênico Scarlatti, a fim de dar lições de música a sua filha, a infanta D. Maria Bárbara. Maestro e padre tornam-se amigos, comungando as mesmas idéias e sonhos. Confiante no amigo, o padre leva-o a S. Sebastião da Pedreira:Padre Bartolomeu apresenta os amigos e a passarola a Scarlatti. Blimunda chega da horta trazendo "brincos de cereja", a fim de brincar com Baltazar. Quando os viu, o músico pensou: Vênus e Vulcano... É bom você se lembrar disso também: o mito que rege o livro é exatamente este: Vênus e Vulcano, a deusa da beleza e o feio e desengonçado, manco Vulcano, filho feito somente por Hera, a quem horrorizou o nascimento de filho tão feio...O padre diz a Scarlatti que ele e Baltazar têm, ambos, 35 anos e que não poderiam ser pai e filho, mas poderiam ser irmãos; portanto, desde o começo da história, o tempo que se passou pode ser contado: nove anos.Mostrada a passarola por dentro, retira-se o músico, mas promete voltar e trazer o cravo, que tocará enquanto Blimunda e Baltazar trabalham. O padre lá permaneceu, onde treinou seu sermão para que os dois ouvissem. Discutem sobre Deus uno, trino.Blimunda adormeceu, com a cabeça apoiada no ombro de Baltazar; um pouco mais tarde ele a levou para dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a noite ali permaneceu, tomado por tentações.
Muitas vezes voltou o maestro à quinta e pedia que não parassem o trabalho; ali, em meio aos ruídos e grandes barulhos, confusão, tocava seu cravo.Há um surto de varíola em Lisboa, oriundo de uma nau vinda do Brasil. O padre pede à Blimunda que vá à cidade e recolha as vontades das pessoas. É assim que ela, em jejum, um dia inteiro se põe a recolher tais vontades. Um mês depois , são mais de mil vontades presas ao frasco em que Blimunda as recolhia.; e quando a epidemia terminou, ela havia aprisionado duas mil vontades.Foi então que Blimunda caiu doente. Nada a curava da extrema magreza; mas um dia, Scarlatti pôs a tocar e ela abriu os olhos e chorou. O maestro veio , então, todos os dias, havendo chuva ou sol; e a saúde de Blimunda voltou depressa.Um dia , Baltazar e Blimunda vão à Lisboa e encontram Bartolomeu doente, magro e pálido. Parecia ter medo de algo.
O duque de Aveiro está por voltar , Blimunda e Sete-Sóis querem saber que destino darão às suas vidas. Morre o Infante D. Miguel por salvar D. Francisco, dizem que o reino está mal governado.Blimunda diz ao padre saber que o Santo Ofício se aproxima dele e Bartolomeu fica com medo de que o acusem de haver se convertido ao judaísmo ( isso realmente aconteceu na história real de Bartolomeu Lourenço de Gusmão), que se entrega a feitiçarias. Presos à quinta, os dois vêem passar os meses; um dia, ouvem a mula do padre bater os cascos nas pedras.
Eram duas horas da tarde e havia muito trabalho a fazer, não poderiam mais perder sequer um minuto. retiraram as telhas, colocaram as bolas de âmbar nos cruzamentos dos arames, abriram as velas superiores. Blimunda está calma, como se em toda a sua vida nada mais tivesse feito senão voar. Às quatro horas está tudo pronto; o cravo ficará lá, a fim de despertar a curiosidade dos inquisidores.Subiu a passarola. Baltazar e Blimunda foram lançados ao chão, Bartolomeu controlou-a e chamou os dois:
Já não tinham medo de nada, ela e Baltazar. Quando Sete-Sóis viu que voavam tão belamente, pôs-se a chorar; aquele homem tão forte, que já estivera na guerra e já matara um homem com seu espigão, chorava agora de felicidade. Abraçaram-se os três.e ainda tiveram tempo de ver, do alto, os homens que os perseguiam. Nada foi achado na quinta a não ser vestígios, nem o cravo se achou porque Scarlatti, indo visitar a quinta, viu quando os três fugiam às pressas na passarola. Entrando, deu fim ao cravo, jogando-o no poço.Quando, finalmente, passam por sobre Mafra, velejam sobre as obras do convento e as pessoas, tantas, julgam ter visto ali, naquela hora, passar sobre eles o Espírito Santo. A máquina pousara, o padre, falando a pessoas invisíveis, parece ter enlouquecido. Quando ambos dormem, o padre tenta atear fogo à máquina , mas Baltazar e Blimunda, sacudidos do sonho, salvam a passarola.Ao amanhecer, dão pelo desaparecimento de Bartolomeu de Gusmão. Fingindo vir de Lisboa, chegam a Mafra. Ouvem os homens estarrecidos contarem sobre a passagem do Espírito Santo sobre o convento.
Num tempo em que sucedem tantos prodígios, Blimunda e Sete-Sóis não podem comentar que voaram porque estariam perdidos. Estavam todos na casa dos pais de Baltazar, o pai estava triste pela morte da mãe, mas Inês Antônia contou-lhes, maravilhada, os prodígios do Espírito Santo.Na manhã seguinte, Baltazar sai de casa com o cunhado e vai em busca do emprego na obra da construção do convento. A Mafra, chegam notícias de que Lisboa sofreu um terremoto, não muito danoso, apenas caíram beirais:Cuida dela , esconde-a melhor. Dois meses mais tarde, vê Blimunda que, como sempre, vem esperá-lo no caminho. Ao vê-la toda trêmula e nervosa, presume que o pai está doente, mas não. Blimunda lhe conta que Scarlatti está na casa do visconde. No outro dia, desconfiada de que ele viera delatá-los, rondou o palácio. Scarlatti tinha feito um pedido ao rei para que pudesse pôr os olhos sobre a construção do convento e o visconde o hospedara, apesar de não gostar de música.Mas encontram-se, e se falam.No dia seguinte, o música vai embora, mas no caminho esperam-no , para se despedirem, Baltazar e Blimunda. Scarlatti vai triste.
O reino português vai cada vez melhor: diamantes, especiarias, impostos, milhões de cruzados se arrecadam. D. João V pensa o que fazer com tanto dinheiro, mas conclui que deve ser a alma a primeira a ser cuidada. Em Mafra, continua a construção do convento.Cada um deles conta, em primeira pessoa, a sua história de família, destino e expectativas, e cada um deles é narrador em foco cambiante.Durante muitos meses, Baltazar havia puxado e empurrado carros de mão, até que um dia, com a promoção e ajuda de João Pequeno, começou a puxar uma junta de bois, fazendo companhia ao amigo corcunda. Se lá podia funcionar como boieiro um aleijado, podiam, então, ir dois.Quando amanhece, logo que o dia nasceu, em meio ao calor de Junho, os homens saem a cumprir três léguas até o lugar onde está a pedra. Pelo tamanho, tal pedra espanta a todos que confessam nunca ter visto coisa igual na vida. Todos se dispuseram a cavar, a achar caminho, maneira ou jeito de levá-la a Mafra sem que quebrasse. O narrador lembra Arquimedes: "Dêem-me um ponto de apoio para vocês levantarem o mundo", parodia.Puxada a braço, lá vinha a pedra, em meio a um grande alarido das pessoas; depois, como que transportado para a guerra, Baltazar viu, num átimo de segundo, um esguiço de sangue: um homem se ferira, mas os esforço continuam.
É extenuante ler o capítulo, pleno de descrições dos esforços para que tal pedra fosse removida: no primeiro dia, não avançaram mais do que quinhentos passos. Os homens dormem quando anoitece, alguns contam histórias sobre reis e rainhas.Continuam as histórias contadas pelos homens, história sem pé nem cabeça, meninas com estrelas na testa, princesa que guardava patos.Francisco Marques, distraído, foi atropelado e morto pelo carro, a roda passou sobre o ventre, que ficou uma pasta de vísceras e ossos. Depois, ao chegarem ao fundo do vale, a plataforma desandou e atingiu dois animais: foi preciso que os matassem.Baltazar tinha ido seis ou sete vezes ao Monte Junto, a fim de ver a passarola, remediar-lhe os estragos que o tempo ia causando nela; como se se enferrujassem as lâminas de ferro, levou para lá uma panela de sebo e untou cuidadosamente as juntas
Pela primeira vez em três anos, Blimunda diz que quer ir junto para aprender o caminho. No caminho, cortou os vimes, colheu lírios d'água para Blimunda que fez deles uma guirlanda para enfeitar o burro. O tempo é de Primavera e as flores cobrem o campo, e Blimunda toma nota do caminho para, se precisar, reconhecê-lo depois, quando sozinha. Chegaram ao monte; Baltazar trabalhou, ferindo-se na mão. Tudo está em estado de decomposição; enquanto ela cosia as velas, ele azeitava as engrenagens. Dormiram depois de se procurarem cheios de amor um pelo outro e, ao amanhecer, sem olhar seu homem por dentro, Blimunda foi olhar as esferas e viu dentro delas as vontades presas. Comeu pão, Baltazar acordou e fizeram amor novamente.Pelo meio da manhã, acabaram o trabalho: por serem dois, a máquina estava como que renovada e se foram para Mafra outra vez.Morreu o pai de Baltazar, João Francisco.D. João V continua a montar e desmontar a basílica de S. Pedro, "um lugar de fingimento onde nunca serão rezadas missas verdadeiras, embora Deus esteja em todo o lado." E mandou chamar o arquiteto de Mafra, um tal João Frederico Ludovice, a fim de pedir-lhe que construísse em Portugal uma basílica igual ao do Vaticano.O arquiteto concordou, mas achou-o néscio porque a obra exterior poderia ser a mesma, mas teria ele, o rei, que fazer nascer um pintor como Rafael, um Sangallo, um Peruzzi , para a fazer valer algo.
Inconsolável, melancólico, o rei resolve, então, ampliar o convento de Mafra e se reúne, no dia seguinte, com o provincial dos franciscanos que, ouvindo tão boa notícia.Assim que saíram o provincial e o arquiteto, mandou D. João V vir à sua presença o guarda-livros. E dobra o rei o salário do guarda-livros. A Mafra, manda o rei um vedor, doutor Leandro de Melo, para que encontre João Frederico Ludovice e lhe entregue uma carta. O engenheiro beija o selo real e empalidece: não bastava o que havia combinado com o rei e este já lhe envia outro aumento para o prédio, quer agora um novo corpo da construção, que abrigue trezentos frades e que se arrase logo o monte por detrás da obra e tudo o que ao redor dela está.O rei escreveu a Baltazar e João Pequeno.Então , o rei sabia de tudo...Baltazar pensa em responder, tem vergonha, mas pensa no seu rei.Sabedor de que poderia morrer sem ver o convento inaugurado, D. João V dá uma ordem ao corregedor: buscar e intimar todos os homens de Lisboa, quiça de Portugal, para que fossem todos trabalhar em Mafra.Atenção para o trecho que você vai ler e que se parece com a despedida dos parentes, na Praia do Restelo, por ocasião da saída das naus de Vasco da Gama para as Índias:
De todo Portugal chegam homens e são escolhidos um a um. A Infanta Maria Bárbara casa-se com Fernando da Espanha. Esta é a marca do tempo narrativo de Saramago: os fatos históricos.O noivo tem dois anos a menos que ela, e nunca será rei, pois é o sexto na linha sucessória.Domênico Scarlatti toca seu cravo para uma multidão de ignorantes, por ocasião do casamento da Infanta Dona Maria Bárbara, na fronteira com a Espanha.Neste capítulo, o narrador fala da procissão que levará os santos para serem colocados nos altares do convento de Mafra: S. Francisco, Santa Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião e Santa Isabel.Seguem também para Mafra frei Manuel da Cruz e seus noviços, trinta, e ali , quando chegam cansados, são recebidos em triunfo.Baltazar vai para casa, o narrador nos anuncia que ele está velho:Depois da ceia, quando todos dormem, Baltazar leva Blimunda para ver as estátuas; juntos, vêem a lua nascer enorme, vermelha. Ele anuncia que vai ao Monte junto na manhã seguinte, ver como está a passarola. Ela pede cuidados, ele responde que ela fique sossegada, que seu dia ainda não chegou.Olham os santos inertes, o que seria aquilo? Morte, santidade ou condenação?Quando amanheceu, Blimunda se levantou e pegou a comida para o farnel do marido que ia ao Monte Junto, acompanhou-o até fora da vila: "Adeus, Blimunda, Adeus
Baltazar."E se separam.Ao chegar ao lugar onde está a passarola, Baltazar come as sardinhas que lhe pusera a mulher no alforje: havia tanto trabalho a fazer.
continua...
segunda-feira, 21 de maio de 2007
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